Um galho

— Filho, por que você fez isso?

— Porque pensei que não iria bem.

— Mas você não estudou?

— Estudei.

— Pois então?

— Mas tem um menino na minha sala que não estuda, só cola e consegue passar com nota boa.

— E você acha isso certo? — O menino abriu a boca para responder, mas sua mãe não o deixou. — Se ele continuar assim, no futuro terá problemas, e se você seguir esse caminho, também terá.

— Eu sei.

— Então por que colou? — O garoto ficou em silêncio. — Já conversei com a sua professora, e ela disse que, pelas suas respostas, dá para perceber que você respondeu mais da metade da prova e copiou o resto. Ao que parece, levando em conta só as questões que você respondeu, sua nota seria seis, o que é suficiente para passar.

— Mas mãe…

— Nada de “mas”. Sua professora disse que manterá a nota seis, mas só porque você sempre foi um bom aluno, nunca aprontou ou atrapalhou a aula e normalmente sempre estuda. Eu não sei se fico feliz com isso ou mais chateada ainda por você ter resolvido colar. O que eu quero que você faça é se desculpar com a sua professora e entregar o bilhete que vou escrever. Você também ficará um mês sem computador, celular, videogame e o que mais eu pensar.

— Mas mãe…

— Nada de “mas”, isso é o mínimo. — A mãe escreveu a carta, dobrou-a e, na parte da frente, assinou com o seu nome, Tereza do Mar e Silva. — Pronto. Continue nesse caminho e você não será nada.

— Mas mãe, eu pensei que não me sairia bem.

— Não importa, se mesmo estudando você se saísse mal, não teria problema, pois eu vejo que você estuda, você só precisa se esforçar mais.

— Mas e o menino na minha sala que não faz nada?

— Ele não será nada, não ajudará ninguém, será apenas um peso para todos. Você quer ser assim? Um peso para todos?

— Não.

— Você não sente orgulho das coisas que consegue fazer?

— Orgulho?

— É. Você não fica feliz quando tenta fazer algo e consegue?

— Como quando consegui fazer vinte embaixadinhas sem deixar a bola cair?

— Estava pensando em algo mais profundo, mas sim, você treinou vários dias até conseguir, não foi?

— Foi.

— Nos estudos é a mesma coisa. Você precisa estudar todos os dias até conseguir alcançar o que deseja. Não precisa estudar quatro horas depois da escola, pode ser uma hora por dia.

— Só uma hora?

— É, depois vai aumentando. Entendeu?

— Sim.

— Aqui está a carta. Agora pegue a sua mochila e vai logo, para não chegar atrasado. — O garoto saiu correndo, o sol do meio-dia estava forte, e, para se esconder, foi caminhando pela ciclofaixa que havia na ilha que separa as duas mãos de uma grande avenida. Mais adiante, avistou um galho de uns vinte centímetros de comprimento e uns cinco de altura, cheio de curvas, não era grande, mas ao longe viu um ciclista se aproximando, e por achar que poderia acontecer algum acidente, agachou-se, pegou o galho e o jogou próximo a uma árvore. Quando retomou o caminho, o ciclista, já próximo, com um sorriso, agradeceu-lhe inclinando a cabeça, o garoto fez o mesmo, e lá se foi o ciclista, que não parou. Sem certeza do porquê, o garoto se sentiu bem ao fazer isso.

O ciclista estava feliz por ver um garoto tão jovem, não devia ter mais do que doze anos, ter consciência e vontade de ajudar um desconhecido. O ato foi simples, mas o fez pensar em como não conversava direito com a filha. Ele ficou desempregado por quase um ano e há dois meses, conseguiu um emprego fixo como segurança em um pequeno banco e um bico, também como segurança, em uma escola. Dois empregos o esgotavam a ponto de esquecer de sua filha, que tinha quatorze anos.
Assim que chegou ao trabalho, foi para o vestiário se trocar, quando terminou, viu que ainda tinha vinte minutos até o início do turno, então ligou para a filha. Eles conversaram trivialidades, mas ambos se divertiram com a conversa, dando a sensação de que se passaram apenas cinco minutos. A conversa terminou com o rapaz prometendo que iriam conversar mais quando chegasse em casa.

O segurança da manhã, que estava se trocando para ir embora, ouviu toda a conversa, e percebeu que fazia ao menos dois anos que ele não conversava de forma tão casual com a esposa. Dois anos atrás, ele descobriu da pior forma que seu irmão era viciado em crack e lutava para poder ajudá-lo. Devido ao excesso de trabalho, as suas dores nas costas voltaram, e a falta de tempo o impedia de se cuidar, tudo isso junto o fez negligenciar não só a si, como a sua esposa. Aquela conversa o fez pensar que não poderia continuar assim, então tomou um banho rápido e foi a uma floricultura, comprou um pequeno buquê de flores, depois correu até a padaria Folha de Outono, lugar em que ele e a esposa tiveram o seu primeiro encontro. Em conversa com o padeiro, explicou os seus planos; ele logo se prontificou a ajudar. O segurança ligou para a esposa.

— Oi, amor, tudo bem?

— Tudo sim, e você?

— Também. Estava pensando em mudar um pouco o dia, tá afim de comer alguma coisa aqui no Outono?

— Na padaria?

— Isso.

— Ah… Pode ser. Agora?

— Isso. Eu já estou a caminho de lá. Tudo bem?

— Claro. Vou só me trocar, então.

— Tá certo. Até daqui a pouco… — O homem fez uma pequena pausa, pois nesse momento percebeu há quanto tempo não dizia essas palavras. — Te amo.

— Tam… Também te amo. — Sua esposa, embora surpresa, ficou feliz em ouvir isso.
Alguns minutos depois, a esposa apareceu, e seu marido estava na porta à sua espera. Cumprimentaram-se com um rápido beijo, entraram, sentaram-se, e, antes que pudessem dizer algo, dois garçons apareceram e os serviram com um pão na chapa para cada, uma cesta cheia de pão de queijo, um copo com suco de laranja e outro com suco de morango.

— Você já havia feito o pedido? — Perguntou a esposa.

— Já. — Ele ficou em silêncio por um momento, observando o rosto da esposa mudando quando lembrou desse mesmo pedido, de vinte anos atrás.

— É o mesmo pedido que fizemos no nosso primeiro encontro!

— Sim. Hoje mais cedo, percebi o quanto tenho te ignorado e como tenho jogado todos os meus problemas em cima de você. Também percebi que, mesmo assim, você segurou tudo, sem reclamar, e ainda continuou me apoiando.

— Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da nossa vida, até que a morte nos separe. — O marido tentava conter as lagrimas. — Essa foi a nossa promessa, não foi? — Ele confirmou com a cabeça.

— Foi e eu fui o único que esqueceu. Não posso apagar esses dois anos, mas posso pedir desculpas e principalmente, agradecer, por tudo, por isso. Obrigado! — A esposa também chorava.

— Seja bem-vindo.

— O que?

— O homem por quem me apaixonei sumiu por dois anos, mas hoje, ele finalmente voltou. – Nesse momento ele desabou em lagrimas, com as mãos tentava enxuga-las enquanto escondia o rosto, a vergonha por passar tanto tempo longe, sem honrar os seus votos já o machucava, mas naquele momento, o carinho, amor e compreensão de sua esposa era o que mais machucava.

— Eu queria voltar a ser esse homem que você enxerga, mas pra isso eu preciso ser um pouco egoísta. – Ele se levantou e o dono da padaria surge das sombras com um buque, o entrega e se retira dando-lhe um tapinha no ombro. O homem se ajoelha. — Você aceita continuar casada com esse idiota?

— É claro que sim. — Ela pega o buque, o ambiente é inundado por uma salva de palmas. Eram tantas que os dois sentiram seus corpos tremendo, alguns estavam de pé, outros chorando e o dono da padaria abraçava a sua esposa, que estava feliz pelos dois.
Alguns começaram a gritar, beija, beija e o casal atendeu aos pedidos, o beijo foi acompanhado de mais uma salva de palmas. Nesse momento a dona Tereza entra na padaria e pergunta o que estava acontecendo. A moça do caixa explica a situação, ela compra o que precisa e se retira. Chegando em casa conta para o marido o que aconteceu e logo saem planejando o que fazer no fim de semana. O filho do casal desce do quarto e encontra os dois chorando enquanto riam.

— O que aconteceu?

— Nada filho, só estamos felizes. — Respondeu a mãe, limpando uma lágrima que escorria. — Você quer ir na praia esse fim de semana?

— Querer eu quero, mas nem é feriado.

— Sabemos, mas deu vontade de ir. — Ela se levantou e apontou para a mesa. — Bom, vamos jantar e ver o filme que vai passar na TV?

— Mas ainda estou de castigo, não posso ver TV.

— Que tal fazermos o seguinte. Se a partir de agora, você começar a ler um livro por semana, deixamos você ver o filme de hoje e encurtamos o castigo para duas semanas. Não é uma proposta ruim.

— Hum…, mas um livro por semana? E se for muito grande?

— Podemos discutir conforme o livro.

— Então feito.

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